Existe uma tensão curiosa entre aceitar nossas imperfeições e não usá-las como justificativa para a estagnação. É aquela linha fina entre “eu sou humano” e “eu estou me acomodando”.
Perder a paciência acontece. O problema não está no momento isolado de irritação, mas na nossa relação com ele. Quando explodimos e depois voltamos ao mesmo padrão, semana após semana, não estamos sendo humanos — estamos terceirizando nossa responsabilidade emocional para os outros. A diferença está na trajetória: uma coisa é tropeçar, outra é escolher andar com os olhos fechados.
O mesmo vale para as escolhas erradas. Elas não nos diminuem. O que nos diminui é a recusa em extrair delas o único valor que possuem: a lição. Erramos, aprendemos, seguimos. Ou erramos, remoemos, repetimos. Marco Aurélio dizia que o impedimento à ação avança a ação — mas isso só funciona quando permitimos que o erro nos instrua, não que nos defina.
Sobre as feridas que carregamos: sentir-se mal com aspectos da própria vida não é fracasso, é lucidez. O problema surge quando confundimos essa insatisfação pontual com insuficiência existencial. Você pode reconhecer que gostaria de estar em outro lugar profissionalmente e ainda assim saber que isso não diz nada sobre seu valor fundamental como pessoa. A insatisfação pode ser combustível ou veneno — depende de quanto tempo você passa revisitando a mesma mágoa.
E quando alguém nos machuca? Sentir a dor é inevitável. Ficar tentando decifrar as motivações alheias é opcional — e quase sempre inútil. As pessoas agem a partir de suas próprias feridas, medos, limitações. Entender isso em teoria ajuda. Ficar meses elaborando hipóteses sobre por que fulano fez aquilo? Isso é dar ao outro mais espaço mental do que ele merece ou do que você pode sustentar.
A armadilha da generosidade sem limites é sutil. Queremos ajudar, queremos estar presentes, e isso é bonito. Mas quando ajudar os outros vira uma forma de evitar olhar para nós mesmos, quando ser “a pessoa que sempre está lá” se torna nossa identidade inteira, perdemos algo essencial. Os estoicos falavam sobre viver de acordo com a natureza — e faz parte da nossa natureza ter limites. Ignorá-los não é virtude, é autossabotagem.
Por outro lado, a obsessão contemporânea com o autocuidado às vezes mascara egoísmo como sabedoria. Sim, você pode colocar suas necessidades em primeiro lugar. Mas haverá momentos em que abrir mão delas será exatamente o que a situação pede — não por abnegação cega, mas por reconhecer que relacionamentos, comunidade e compromissos também nos constituem.
Perdemos batalhas. É assim que funciona. O que importa é se essas derrotas nos ensinam algo sobre o terreno, sobre nossas fraquezas, sobre onde investir energia na próxima vez. A estratégia de longo prazo se constrói sobre pequenas retiradas táticas. Mas isso exige que olhemos para a derrota não como atestado de incompetência, mas como informação cara que compramos com frustração.
A síntese prática é esta: permita-se ser imperfeito, mas não permita que a imperfeição vire identidade. A diferença entre auto-aceitação saudável e autoindulgência destrutiva mora na pergunta: “Estou aprendendo com isso ou apenas me justificando?”